Os negros (que somam pretos e pardos) formam a maioria das pessoas que são detidas por posse e tráfico de maconha. Números levantados pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) apontam que, até o fim do primeiro semestre de 2024, 730 foram detidos por tráfico, posse ou uso do entorpecente (sendo 443 pessoas negras: 308 pardas e 135 pretas).
Entre os 642 detidos maiores de idade, 400 são negros (120 pretos e 280 pardos) e 134 são brancos, além de 5 pessoas identificadas como amarelas, uma como indígena, 87 sem identificação e 15 classificadas como ‘[raça] indeterminada’. Entre os menores de idade, o cenário é parecido: do total de 88 apreendidos, 43 são negros (28 pardos e 15 pretos), além de 7 brancos, 36 sem identificação e dois como ‘indeterminados’.
No acumulado, 443 pessoas formam o grupo da população negra (pretos e pardos) e 287 são das demais raças, uma diferença de, aproximadamente, 60,69%.
Até o fim de junho, as forças policiais apreenderam 73.591 buchas de maconha, 8.583 unidades (contabilizados como pedaços, cigarros e similares) e 331 kg da droga.
Do total de 730 detidos, 639 são homens, 84 são mulheres e sete não foram identificados. A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social sobre a quantidade média de maconha apreendida com os indivíduos, mas, segundo a Sesp, não há detalhamento sobre cada ocorrência, somente o acumulado geral.
60% dos presos com posse de maconha são pretos e pardos;
73.597 Foi a quantidade de buchas de maconha apreendida
8.583 É o total de cigarros, pedaços e similares de maconha apreendidos
331 KG É a soma de maconha apreendida em operações.
“Estereótipos racistas enraizados”, diz especialista
De acordo com Suellen Cruz, professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a população negra forma a maioria encarcerada por ser alvo de estereótipos racistas enraizados na sociedade.
Fica explícito que as forças de segurança pública têm unidades de medida diferentes para tratar abordagens de pessoas pretas e de pessoas brancas em posse de drogas. Isso atinge principalmente a população negra por fatores racistas ligados ao estereótipo de que uma pessoa preta não pode ser vista mal vestida ou aparentar ter uma condição social inferior, que ela é apontada como marginal
Suellen Cruz
•Professora do Departamento de Serviço Social da Ufes
Questionada sobre os impactos sociais e econômicos que o encarceramento em massa de pessoas pretas e pardas causa na sociedade onde vivem, Suellen reforça a necessidade de políticas públicas que antecedem o uso de força policial.
“Apesar de vermos alguns avanços no sentido de projetos de ressocialização, o cárcere não reeduca ninguém, porque ele não tem ferramentas tão eficazes para isso. Antes de termos viaturas subindo os morros, as comunidades precisam ser assistidas socialmente, com educação, planos de segurança alimentar e outras ferramentas que colaboram com o desenvolvimento delas antes da chegada às drogas”, pondera.
Segundo Eugênio Ricas, secretário da Sesp, as abordagens nas ruas são feitas através da avaliação e julgamento de cada policial, sendo subjetiva a decisão de realizar ou não a abordagem.
Se ele [policial] nota algo irregular na forma de se portar de um cidadão, ou um movimento suspeito em um horário e local incomum, ele decide os critérios para abordar
Eugênio Ricas
•Secretário da Sesp
Conforme o secretário, a avaliação de cada policial define as abordagens, não sendo necessária uma espécie de manual para a tomada de decisões.
Para Fábio Marçal, advogado criminalista e especialista em Segurança Pública, o Espírito Santo não é o único alvo de ações que prendem a maioria de pretos e pardos nas ruas.
“O Brasil criminaliza a pobreza há anos. Quantas vezes vemos em filmes e novelas que o bandido é aquele cara negro, pobre e com cara de mau? E nas novelas que vemos as empregadas sempre negras e pobres? Isso corrobora para que a sociedade veja uma pessoa negra na rua e associe seu pensamento a isso”, diz Marçal.
“Falando no âmbito local, com certeza a polícia não aborda as pessoas da mesma forma na Ilha do Frade ou na Praia do Canto da mesma forma que aborda nos morros. São necessárias políticas que mudem esse cenário para que a polícia tenha mais inteligência e menos preconceito”, finaliza o especialista.
Fonte: A Gazeta